Calcolítico - Pedra e Cobre

09/06/2013 18:11
O fenómeno campaniforme 
 
 

Profundas transformações sociais

O campaniforme não foi uma «cultura» no sentido arqueológico (e portanto algo restrito) do termo. Foi um fenómeno sem paralelos na Pré-História europeia. Uma realidade única, que passou a chamar-se o fenómeno campaniforme. Depois de descartado o fantasmagórico «povo campaniforme», os arqueólogos puseram-se de acordo que este fenómeno traduz uma profunda transformação política, social e cultural em toda a Europa pré-histórica.

Este é o cerne das conclusões a que chegaram os cientistas do Instituto de Pré-História da Universidade de Freiburgo depois de um intensivo workshop – mas também a opinião de especialistas como João Luís Cardoso, que conheceu o fenómeno de primeira mão durante as escavações do povoado fortificado de Leceia.

Mas antes de entrar no âmago da questão social e cultural, vamos primeiro ver em que aspectos materiais se manifesta «o campaniforme». Vamos analizar a cerâmica que deu o nome a todo este «fenómeno».

Cerâmica de qualidade...

Podemos classificar as peças de cerâmica campaniforme, como propôs David Clarke, de «objectos de luxo», ou de «bens de prestígio» porque, dentro do universo dos artefactos do fim do Neolítico, o estilo campaniforme surpreende-nos por ser uma cerâmica de qualidade com vistosas decorações.

É um estilo inconfundível; mesmo pequenos fragmentos destas cerâmicas permitem aos arqueólogos reconhecer este estilo sem hesitações. ...e os artefactos associados Junto com a cerâmica campaniforme era comum depositar nas sepulturas um set de artefactos. A este conjunto de objectos podiam pertencer um punhal de cobre de lingueta ou belas pontas de seta, ou também anéis decorativos, de ouro – tudo depende da zona.

Em algumas regiões são pontas de seta, de pedra, de forma bem barroca; ou até pontas de seta fabricadas já em cobre, como é o caso das pontas de Palmela. Ou são braçais de arqueiro, que conhecemos em formas variando do rectangular plano ao côncavo; umas simples, outras adornadas com pregos de cobre – ou de ouro.

O túmulo de Fuente Olmedo (Valladolid) continha um punhal de lingueta em cobre, 11 pontes de seta Palmela, um diadema de ouro, um braçal de arqueiro, uma ponta de sílex e vários recipientes cerâmicos. É um dos enterros mais ricos dos campanifor-mes europeus.

O punhal, as pontas de seta e o arco (este substituído pelo braçal de arqueiro) ilus-tram o carácter guerreiro de muitos defuntos; sem dúvida que o militarismo já gozava de forte protagonismo entre os «convertidos» ao campaniforme.

Estes artefactos depositados ao lado das belas cerâmicas campaniformes são sempre objectos excepcionais, de luxo, de prestígio. Em linhas gerais, estes conjuntos funerários ou «pacotes campaniformes» falam-nos da elevada posição social do defunto.

 

Los Millares. Vaso cerâmico campaniforme. Museo de Almeria

Os depósitos funerários campaniformes «falam» de um indivíduo, já não falam de um grupo, como era o caso dos túmulos colectivos feitos nos dólmenes. Pela primeira vez na evolução cultural e social observamos uma diferenciação dos sexos, assim como vemos atribuído valor e protagonismo ao indivíduo em si.

(Mas nunca devemos generalizar, pois existem sepulturas campaniformes no Norte europeu que não incluem nenhuma prenda funerária – nem uma simples taça campaniforme. Estamos portanto ainda longe de compreender o fenómeno em toda a sua complexidade...)

As prendas funerárias podem estar compostas em

  • a) um «set standard»
  • e b) outros objectos «pessoais», associados à posição social e à linhagem do defunto: armas, ferramentas, ou, em vez de só uma, de múltiplas peças de cerâmica campaniforme.
© Copyright Wiltshire Heritage Museum
Vaso cerâmico campaniforme. © Copyright Wiltshire Heritage Museum

Global e regional: um fenómeno europeu

A cerâmica campaniforme divulgou-se por toda a Europa. Mas a presença de elevados números de peças nas regiões hoje portuguesas são para Michael Kunst, director das prospecções arqueológicas no povoado calcolítico do Zambujal, um forte indicador a apontar para a possibilidade da Península Ibérica ter sido realmente o berço deste movimento.

A nova leitura é a seguinte: O fenómeno campaniforme começou no território hoje português – possivelmente no núcleo nas povoa-ções calcolíticas da Estremadura – e terá difundido até às planícies da Húngria; ao Sul, até Marrocos e a norte até à Dinamarca, Inglaterra, Escócia. (Isto em contraste com as teses «colonialistas» que afirmavam que o fenómeno campaniforme teria irradiado a partir da Europa Central.)

Bons vizinhos, missionários, ou conquistadores?

Na fase inicial, identificável por datações exactas com C14, existiram sempre outras culturas «ao lado» das comunidades aderentes ao campaniforme. A evolução, é pois, um fenómeno paralelo. (Só em fases tardias é que o campaniforme teria tomada a expressão de uma cultura alargada, e se teria afirmado como cultura única).

Alguns pré-historiadores pensam que as comunidades davam a conhecer a sua «identidade campaniforme» de forma bem afirmativa e até se teriam apartado das outras comunidades, dos seus vizinhos. Em algumas zonas, os seus povoamentos e os seus rituais funerários teriam sido modos de afirmar identidade própria e de se apartarem dos outros grupos.

Esta atitude de apartamento teria dado ao fenómeno campaniforme a sua coesão e também a sua expressão global, teria dado aos seus aderentes um «sentido de superioridade» – e explicaria o motivo pelo qual não se mestiçou com outras culturas. São raras as formas «estranhas» dentro de jazigos campaniformes. Só em fases tardias é que se verifica a penetração campaniforme nas culturas vizinhas.

 

Calcolítico - os povoados

O povoado calcolítico de Vila Nova de São Pedro

Este sítio arqueológico está classificado como Monumento de Interesse Nacional, mas emvergonhoso estado de degradação e abandono.

A localização geo-estratégica deste importante povoado calcolítico conferia-lhe excelente visibilidade e condições naturais de defesa.

A sua riqueza material é de grande valor para a compreensão dos aspectos mais relevantes das sociedades camponesas pré-históricas. Apresenta uma ocupação longa que terminaria num momento indeterminado da Idade do Bronze.

Imponente fortificação do Calcolítico, o sítio de Vila Nova de São Pedro apresenta três linhas de muralhas que traduzem várias fases de ocupação.

O povoamento de Vila Nova de São Pedro localiza-se num outeiro, com cerca de 100 m de altitude, junto á Ribeira de Almoster que desagua no Rio Maior, afluente da margem norte do Tejo.

O curso de água seria a grande via de comunicação dos habitantes do povoado. O facto de Vila Nova de São Pedro se encontrar a meia distância entre o Oceano Atlântico e o Tejo, dar-lhe-ia importância estratégica na rede de povoados calcolíticos estremenhos.

Forno de cerâmica
Em cima: Forno de cerâmica em VNSP. Em baixo: localização do forno junto à primeira linha de muralhas.

Uma das descobertas mais importantes ocorreu em 1939. À entrada do povoado, encontraram-se depositados no fundo de uma fossa, animais sacrificiais (bovídeos), sobre um dos quais fora colocada grande vasilha de cerâmica, contendo restos de alimentos.

Espólio

Em VNSP foram recolhidos objectos de cerâmica, pontas de seta, utensílios de uso doméstico, tais como facas de sílex e em quartzo, goivas, machados, pesos de tear e raspadores e artigos de culto, placas de xisto e ídolos cilíndricos em calcário. Os objectos aqui encontrados estão expostos no Museu Arqueológico do Convento do Carmo, em Lisboa.

Publicações

Os copos no povoado calcolítico de Vila Nova de São Pedrowww.ipa.min-cultura.pt/pubs/RPA/v6n2/folder/181.pdf. O estudo aprofundado de conjuntos artefactuais como os “copos canelados” de Vila Nova de São Pedro constitui uma necessidade para melhor compreender a formação das novas sociedades agro-metalúrgicas em Portugal.

Recolhidos entre os anos 30 e 60 do século passado, em dezenas de campanhas de escavação, e parcialmente publicados por Afonso do Paço, importa agora analisar estes recipientes cerâmicos numa perspectiva mais actual.

Materiais desde cedo valorizados como indicadores culturais da Idade do Cobre Inicial, caracterizam-se, genericamente, por corpo de forma sub-cilíndrica, oferecendo, por norma, pastas e tratamentos de grande qualidade, mostrando, muitas vezes, motivos decorativos, onde se destacam os canelados e os espinhados.

O trabalho aponta novas interpretações, relacionadas essencialmente com as características, origens e cronologias dos “copos canelados” do povoado de Vila Nova de São Pedro, através de uma análise ao nível formal, técnico e decorativo. Autora: Sónia Duarte Ferreira, Revista portuguesa de arqueologia, Vol. 6, Nº. 2, 2003, pp. 181-228

 

Grutas Artificiais de Alapraia

Necrópole composta por 4 hipogeus, escavados no substracto calcário no último quartel do IV milénio a.n.E. Utilizadas como espaço funerário durante parte do III milénio a.n.E.

A primeira referência acerca deste complexo funerário, menciona somente a Gruta I, a única conhecida até então e data de 1889 pela mão de Francisco Paula e Oliveira. Anos mais tarde,José Leite de Vasconcelos publicou uma planta rigorosa na revista O Arqueólogo Português.

A essa data, a gruta já se encontrava violada e desprovida do seu conteúdo original — e adaptada a fins utilitários. Em 1932, devido ao arruamento da actual Rua das Grutas, foi possível detectar a Gruta II, tendo as escavações arqueológicas sido levadas a cabo porAfonso do Paço e pelo Padre Eugénio Jalhay.

Do seu espólio, salienta-se o par de sandálias votivas em calcário, hoje em exposição na sala de arqueologia Afonso do Paço e Eugénio Jalhay, no Museu-Biblioteca dos Condes de Castro Guimarães, em Cascais.

Ainda durante a intervenção arqueológica, uma moradora do Largo anexo à gruta II, informou os arqueólogos de que quando eram vertidos líquidos na cozinha da sua casa, estes sumiam-se rapidamente através do pavimento. Atendendo a esta informação oral, os arqueólogos observaram o espaço e detectaram a clarabóia da gruta III, a qual foi escavada no ano seguinte.

Desta intervenção, foi possível constatar que o hipogeu havia sido violado no passado, tendo sido reutilizado como silo durante a Idade Média. Em 1943, quando se procediam aos trabalhos para instalação de um chafariz no Largo, foi descoberta a gruta IV.

A escavação arqueológica iniciou-se sob a supervisão da equipa anterior, estando a gruta e respectivo espólio funerário preservado, à semelhança da Gruta II. Dois anos depois, em Março de 1945, a Direcção-Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes considerou a Necrópole de Alapraia «Imóvel de interesse público».

A tipologia dos quatro hipogeus que constituem a Necrópole de Alapraia enquadra-se dentro do «tipo coelheira». As grutas foram escavadas no substracto calcário por acção humana e são compostas por dois elementos comuns: zona vestibular e câmara funerária.

O vestíbulo é composto por corredor ou corredor seguido de antecâmara, que comunica com a câmara através de um estrangulamento circular ou em ferradura. A câmara funerária é uma cavidade ampla de forma circular e rasgada no topo, ao centro, por um orifício circular, a clarabóia. Tanto esta, como a área vestibular seríam cobertas por lages.

Havendo a intenção de instalar o centro interpretativo das Grutas Artificiais de Alapraia, aCâmara Municipal de Cascais tem vindo a conjugar esforços no sentido de adquirir a totalidade do sítio arqueológico, o que aconteceu em 2004, com a aquisição dos edifícios construídos sobre as Grutas II e III, os quais remontam pelo menos ao século XIX, se bem que com intervenções já do século XX.

Já pertencia à autarquia o Casal Saloio, conhecido por Casal das Grutas, contíguo às Grutas I e IV, que seguramente é anterior ao século XIX. Desta forma, foram reunidas as condições necessárias para dar início à musealização deste importante arqueossítio, obrigando-se a autarquia à realização de sondagens arqueológicas em toda a área envolvente dos hipogeus de modo a avaliar o interesse arqueológico do local, visando a sua articulação com o projecto de arquitectura, em fase de preparação, e o projecto museológico e museográfico.

Esse conhecimento permitirá uma maior definição do espaço museológico a criar, bem como a implementação de medidas de salvaguarda e minimização do impacto desta obra. Torna-se aqui importante recordar que as escavações arqueológicas levadas a cabo nos anos 30 e 40 do século passado, por Afonso do Paço e o Padre Eugénio Jalhay, restringiram-se às grutas II, III e IV e que as áreas envolventes de cada uma, nunca terão sido objecto de estudo.

Desta forma, esta intervenção arqueológica reveste-se de um importante significado, pois permitirá sondar uma boa parte das áreas envolventes a estas grutas, procurando-se confirmar a possível existência de mais hipogeus.

A reabilitação do conjunto edificado, especialmente o Casal das Grutas constitui o segundo objectivo da intervenção camarária, passando a integrar o futuro núcleo museológico das Grutas Artificiais de Alapraia, de carácter monográfico relacionado com a jazida Pré-Histórica, mas também apresentando uma vertente etnográfica, tendo o próprio Casal como pano de fundo.

A preparação do local decorreu durante o mês de Setembro, tendo sido feitos trabalhos de desmatação, demolição de um anexo em ruínas, remoção de pavimentos actuais, etc. A primeira fase da escavação iniciou-se no dia 8 de Novembro e terminou a 23 de Dezembro.

A equipa no terreno foi dirigida por Pedro Narciso, arqueólogo, e João Cabral, responsável do Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal de Cascais. Durante a intervenção, foram abertas dez sondagens de dimensão variada de acordo com a metodologia inicialmente traçada e com a realidade encontrada no terreno. Foi possível sondar cerca de 60 m2 divididos entre o interior dos edifícios erguidos sobre as Grutas II e III, áreas nascente e poente do Largo Afonso do Paço e pátio do Casal das Grutas.

Apesar de não ter surgido qualquer vestígio de outra gruta artificial, foi possível recolher dados acerca da ocupação recente do espaço dos edifícios sobre as Grutas II e III, sobre os possíveis danos infligidos ao corredor da Gruta III durante o século XX e, de grande relevância, encontrar alguns artefactos pré-históricos contemporâneos à utilização da necrópole, eventualmente provenientes do vazamento da Gruta I ou III, no passado.

Decorrem actualmente, no Gabinete de Arqueologia da autarquia, os trabalhos de tratamento e inventariação dos materiais exumados da escavação arqueológica, tal como a elaboração do relatório da intervenção.

Exposições

Em 2004, alguns dos materiais dos dois núcleos de Grutas Artificiais de Cascais, Alapraia e S. Pedro do Estoril, puderam ser observados na exposição Cascais há 5.000 anos - espaços da morte das antigas sociedades camponesas, que esteve patente no Museu Nacional de Arqueologia.

Publicações

Paleobiologia de grupos populacionais do Neolítico Final / Calcolítico do Poço Velho (Cascais) www.ipa.min-cultura.pt/pubs/TA/folder/40/

 

daqui

Idade do Cobre (2700 a.C)

O Calcolítico (ou Idade do Cobre) é uma intensificação das características do Neolítico Superior: mais riqueza produzida; maior divisão social do trabalho; maiores diferenças no valor e na distribuição dos excedentes. Surgem as fissuras e o atrito.
O primeiro núcleo calcolítico da área de Sines é Vale Pincel II, na planície, perto do mar. O segundo é no Monte Novo, na encosta sul do Monte Chãos. Os 600 metros que os separam exprimem a grande diferença entre uma aldeia exposta na praia aberta e outra que precisa de se resguardar num ponto elevado: há mais riqueza, há mais cobiça.